domingo, 29 de janeiro de 2012

And I Waited - Capítulo 2

Bendito guarda-chuva, ou seria maldito celular?


Amanheceu chovendo e ao descer do ônibus Ana abriu o guarda-chuva e seguiu para o semáforo. Zac vinha correndo da direção contrária sem nenhuma proteção.

- Bom dia! – ele falou se enfiando embaixo do guarda-chuva, passando a mão pela cintura de Ana.

- Oi!

Os dois atravessaram a pista. Passaram pelo portão da escola e Renata os viu abraçados. Zac fechou o guarda-chuva, entregou para a amiga e agradeceu com um beijo em sua bochecha. Ana seguiu para a sala de aula. Alguns minutos depois Zac entrou na sala com a cara amarrada.

- O que foi? – Ana perguntou curiosa.

- Vocês mulheres são muito estranhas. – ele respondeu e sentou na carteira atrás dela.

- Continuo sem entender.

-Deixa para lá. Trouxe meu celular?

- Tá aqui. –Ana enfiou a mão na mochila e entregou o aparelho para o amigo.

Zac ligou o aparelho.

- Caramba! Tem dez chamadas não atendidas. E são todas da Renata.

-Ah, é. Esqueci de falar, ela ligou ontem de madrugada.

- Ana Clara diz pra mim que você não atendeu ao telefone.

- Atendi. – ela se encolheu na cadeira preocupada - Não devia ter atendido? Foi mal, é que eu tava meio que dormindo.

Zac soltou uma gargalhada.

- Qual a graça? – Ana perguntou irritada.

- A Renata acha que você dormiu comigo, ou algo do gênero. – ele continuou rindo.

- Quê? – Ana gritou.

Mas antes que Zac respondesse o professor Júlio entrou na sala. Era aula de matemática e Ana se esforçava para prestar atenção e entender o que ouvia. Definitivamente, matemática não era o seu forte.

Quinta-feira à tarde Ana estava sentada com Fernanda e Priscila em um banco na lateral da quadra de basquete, tinham acabado de sair do treino de handebol. O time de basquete ia começar o treino. Zac se aproximou e pediu para ela segurar sua carteira e seu celular enquanto ele treinava. Meia hora depois o telefone do garoto tocou e Ana olhou para as amigas como quem pede ajuda, do tipo “o que eu faço?” Fernanda pegou o celular, apertou o botão de atender e colocou na orelha de Ana.

-Alô! – Ana atendeu com a voz mais esganiçada possível.

- Eu não acredito que você está com ele de novo? – era Renata aos berros.

Ana não teve tempo de falar mais nada, a garota do outro lado da linha desligou antes que Ana Clara esboçasse qualquer reação.

- Eu não devia ter atendido. Droga. O Zac vai me matar. – Ana estava realmente preocupada.

Às cinco horas Ana foi para o ginásio, ao chegar lá encontrou Renata já calçadas nos patins. Ana Clara fez de conta que não a viu. Foi até o vestiário e pegou seu par de patins e os calçou. Ao voltar para a quadra Pedro já estava lá, ela sabia que ia demorar a se acostumar com aquela proximidade dos dois. Um frio na barriga surgia sempre que ela o via sem aviso prévio.

Pedro Henrique e Ana estavam se aquecendo, quando Renata se aproximou dos dois e disse:

- Você é mesmo muito cara de pau, não é Ana Clara? Quer ficar com os dois?

- Renata eu não sei do que está falando. – Ana falou e saiu patinando.

Renata não falou mais nada e o treino correu bem. Zac chegou ao final e disse para Ana que iria acompanhá-la até a parada, mas antes teria que conversar com Renata. Ana ficou esperando pelo amigo no portão do colégio. Zac a acompanhou e disse para ela que ele e Renata não estavam mais juntos.

- A culpa é minha. Desculpe Zac, eu não devia ter atendido seu celular hoje. – Ana falou sinceramente.

- A culpa não foi sua. Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando comecei a namorar essa garota.

- Meu ônibus. Até amanhã! – Ana Clara entrou no ônibus.

Uma semana se passou, era sexta-feira e Ana estava jogando vôlei no intervalo das aulas. A rádio estava tocando uma música que foi interrompida por mais um recadinho.

- Para Ana Clara, da 8ª A. Você devia ter vergonha na cara garota! Tem uma quedinha por loiros de lábios carnudos , é? Não basta passar o treino flertando com o Pedro Henrique do 1º ano, tem que dormir com o Zac da 8ª? Quantas vezes dormiu com ele esta semana e... – a voz era de Renata ao microfone.

Ana Clara olhou para a sala de vidro do primeiro andar em choque. Lá estava Renata com um olhar psicótico para Ana e um professor tomando o microfone da mão da garota. As lágrimas brotavam nos olhos de Ana sem ao menos ela perceber. Quando se deu conta já estava no primeiro andar indo na direção da sala em que funcionava a rádio. Antes que pudesse entrar na sala, o professor André saiu segurando Renata pelo braço. Ana fechou a mão em punho e acertou o queixo de Fernanda que aparecera na sua frente de repente. Ana queria se vingar de Renata, queria arrancar a cabeça dela com as próprias mãos, mas antes que ela conseguisse se aproximar da garota novamente, Zac entrou em sua frente e a abraçou.

- Ana calma! – esbravejou o garoto. – Não vale a pena. Todos sabem que é mentira.

Ana não conseguia articular palavra alguma tamanha era a sua raiva. Deixou-se conduzir para a sala dos professores. Ao entrar na sala foi que Ana percebeu que Fernanda também estava ali, segurando o queixo.

- Ah meu Deus! De desculpe Fê. Eu eu... te acertei... – foi o que Ana conseguiu dizer.

- Tudo bem, eu não devia ter entrado na sua frente. – Fernanda colocou a mão no ombro da amiga ao falar.

Ana Clara se recusou a voltar para a sala de aula, estava com muita vergonha e não queria enfrentar os olhares dos colegas. A professora Cláudia permitiu que ela ficasse na sala dos professores e pediu a Zac que fosse buscar os pertences da garota.

Ele trouxe tudo e Cláudia disse para o garoto voltar para a sala. Ana ficou um horário inteiro sentada fitando a janela, até que por fim, a coordenadora a liberou para ir para casa. Ana chegou em casa e se trancou em seu quarto. Tinha esquecido que no dia seguinte iria se mudar para um apartamento próximo da escola. Seus pais venderam o que moravam e compraram este outro apartamento que ficava em uma quadra vizinha a que Fernanda e Zac moravam.

A garota se levantou da cama e começou a arrumar algumas coisas que faltava guardar. Lica, a moça que trabalha em sua casa, bateu na porta e avisou que o almoço estava pronto. Ana comeu pouco e voltou para seu quarto. No início da tarde o interfone tocou e ela atendeu.

- É a Fê.

Ana Clara apertou o botão para abrir a portaria e foi abrir a porta do apartamento. Fernanda e Zac apareceram na escada.

- A gente não esqueceu a mudança. Viemos te ajudar. – Fernanda falou animadamente.

- Valeu. Ainda tem um monte de coisa no meu quarto precisando encaixotar. – Ana disse sem muito entusiasmo.

Os três arrumaram tudo no quarto de Ana. Lica preparou um lanche para eles e disse:

- Clara, a sua mão ligou e disse que você vai dormir hoje na casa da Fernanda. Ela já falou com a mãe dela. 

– Lica fez uma pausa ao perceber os olhares de quem não estavam entendendo nada e continuou. – Você tem treino hoje à noite e amanhã pela manhã. Bem na hora da mudança, então ela achou melhor você ficar perto da escola.

- Que ótimo! A gente pode alugar um filme para assistir hoje á noite. – empolgou-se Fernanda.

Ana Clara tomou um banho, arrumou sua mochila e os três foram para a parada pegar o ônibus.

- Nem acredito que realmente vou me mudar daqui. Vou ter que vim depois para me despedir da galera da quadra. Vou sentir falta deles. – disse Ana saudosamente.

Eles chegaram à escola e Ana seguiu para o ginásio. Pedro já estava se aquecendo e ela estava com tanta vergonha de olhar pra ele depois de tudo que aconteceu pela manhã. Correu para o vestiário sem nem olhar para a quadra. Ficou uns dez minutos sentada, tentando criar coragem para sair, mas antes que ela tomasse coragem, Pedro apareceu na porta.

- Você está bem? – Ele perguntou.

- Estou. – respondeu Ana sem olhar para ele.

- Vai ficar sentada aí?

- Não eu, eu já vou. – Ana se levantou e guardou a mochila no armário.

- Ana, não precisa ter vergonha de mim, ok? Somos parceiros, uma equipe. – Disse Pedro se aproximando do armário de Ana.

- Não estou com vergonha, só um pouco cansada. Estou de mudança, o dia foi longo. – Ela tentou se explicar sem olhar para o garoto.

- É tão ruim assim dizerem que estamos flertando? – Pedro segurou o queixo de Ana ao falar.

Ana olhou séria para ele e disse:

- Não estamos flertando, como você disse, somos uma equipe, trabalhamos juntos. – Ela fechou o armário e seguiu para porta. – É bem a sua cara Pedro. Falaram que eu dormi com meu melhor amigo e só o que se lembra é de um flerte idiota que nunca aconteceu também. – Ana saiu patinando até o centro da quadra.

- Ana! Não foi o que eu quis... – Pedro não continuou a frase, pois deu de cara com Renata.

- Até no vestiário? – Renata o provocou.

- Cale essa boca sua gorda desengonçada! – exclamou Pedro furioso.

- O que está acontecendo aqui? – perguntou a treinadora.

- É esse garoto grosso. – choramingou Renata.

Ana se aproximou de Paula e disse:

- O que ela está fazendo aqui hoje? Sexta-feira ela não tem aula de patinação.

- Eu sei Ana, é que eu permitia que meus alunos viessem todos os dias se quisessem. - explicou Paula.

- Então eu vou embora. Não aguento mais essa cobra atrás de mim. – Ana foi em direção a arquibancada.

- Ana Clara, volte aqui, não temos tempo a perder! – Disse Paula que se virou para Renata e falou. – A partir de hoje quero você aqui somente nas terças e quintas.

- Mas treinadora... – tentou Renata.

- Até mais Renata!

Antes que Renata dissesse mais alguma coisa, a coordenadora entrou no ginásio.

- Renata, eu não te dei uma advertência, a qual você não pode aparecer à tarde na escola por uma semana? – perguntou Cláudia.

- Já estou indo professora. – Renata nem olhou para trás.

Ana Clara e Pedro estavam indo muito bem com a coreografia, mas tinham dificuldade no sincronismo. Ana não conseguia executar os movimentos no tempo de Pedro e ela sabia que era por não conseguir se concentrar como deveria.

- Me desculpe. Não tá rolando. Devia ser mais rápido e você está muito lento. Não consigo te acompanhar. – Ana soltou tudo de uma vez, como quem queria se livrar das palavras o mais rápido possível.

- Mas é você quem está rápida demais. Tem de ser no ritmo da música, mais suave. – explicou Pedro tentando ser o mais educado possível. Ele sabia que Ana estava em outro universo naquele momento e estava decidido em ser paciente pelo menos naquela noite. Talvez porque tivesse a presunção de achar que era por causa dele a distração da garota.

- Tudo bem. Falha minha. Eu preciso de cinco minutos, ta? – Ana pegou sua garrafa de água e foi até o bebedouro.

- Só cinco minutos vocês dois! – alertou Paula.

Sem sombra de dúvida aquele foi um dos dias na vida de Ana que ela queria que acabasse o mais rápido possível. Mas parece que Pedro não entendeu.

- Ana, eu não achei que o lance de hoje de manhã tenha sido legal. Já entendi que o Zac é só um amigo, mas até a Renata percebeu que tem alguma coisa entre nós. – Pedro falou ao se aproximar do bebedouro.

- Sabe o que tem entre nós Pedro Henrique?

- O quê?

- O seu ego. Vai ver que é ele que está nos atrapalhando hoje. – Ana saiu irritada para o meio da quadra. – Olha aqui garoto, eu concordei em ser seu par nesta competição, mas vamos deixar as coisas claras. Meu interesse por você começa às dezessete horas quando entro nesse ginásio e termina ás vinte e uma horas quando saio daqui. E vai ser assim até ganharmos a competição, entendeu? Do contrário não dará certo.

- O que foi que eu perdi aqui? – pergunta Paula perplexa.

- Eu avisei que ele é um metido. – disse Ana com desprezo.

- E também avisou que você é uma cabeça dura. Relaxa Ana! – Pedro chegou perto dela e estendeu a mão. – Vamos recomeçar.

- Concentração! – pediu a treinadora.

O restante do treino foi mais proveitoso. Fernanda e Mateus chegaram para buscar Ana. Ao chegarem ao prédio de Fernanda, Zac e Priscila já estavam esperando na portaria. Os cinco subiram e encontraram o irmão de Fernanda na porta esperando a mãe e o padrasto deles para saírem.

- Oi Marcos! Não vai assistir ao filme com a gente? – perguntou Zac.

- Não, vou sair com meus pais. – falou Marcos sem muito entusiasmo.

- Estaremos com o celular e juízo! – orientou Cátia, a mãe de Fernanda.

- Pode deixar tia Cátia. – assentiu Ana.

- Só Cátia pelo amor de Deus! – Cátia sorriu para os garotos e saiu com o marido Jorge e o filho, deixando os cinco adolescentes sozinhos.

Ana achava o máximo a maneira como os pais da amiga se relacionavam com a filha. Eles eram super liberais, o oposto de seus pais. Não que eles fossem carrascos ou algo do gênero, mas eram cheios de regrinhas, como por exemplo, só namorar depois dos quinze anos, chegar em casa às dez, garotos não entrarem no seu quarto, não recebê-los em casa quando estiver sozinha, esse tipo de coisa. 
Enquanto os pais de Fernanda saiam e os deixavam ali, sozinhos, sem nenhuma supervisão.

- Que filme vocês alugaram?- Fernanda perguntou para Priscila.

- O Zac escolheu esse suspense aqui. – Priscila respondeu e mostrou a capa do filme para Fê.

- Legal! Mateus me ajuda a fazer pipoca? – Fernanda chamou o garoto e deu uma piscadinha para ele achando que ninguém perceberia, mas todos viram e se seguraram para não rir. Os dois foram para a cozinha.

Priscila pegou o DVD e foi colocar no aparelho. Zac se sentou no tapete e Ana deitou no sofá.

- Essa pipoca vai demorar, quer apostar quanto? - ela perguntou para Zac.

- Não vou apostar. Eu sei que vai demorar.

Os dois sorriram.

- Eu estou exausta. Tudo bem se eu tomar um banho rapidinho, antes do filme? – Ana perguntou aos dois sentados no tapete.

- Vai lá. Mas vê se não enrola. Tenho que estar em casa antes da meia-noite. – explicou Priscila.

Ana tomou um banho rápido e voltou para a sala. Ao passar pela porta da cozinha viu que Mateus e Fernanda ainda estavam lá e no maior amasso. Ela sorriu e foi se deitar no sofá.

- Eles ainda estão se agarrando? – perguntou Zac, entediado.

- Estão. Acho melhor você ir lá buscar a pipoca e o refri. – Ana falou.

Zac voltou dois minutos depois.

- Acho que podemos assistir ao filme. Eles não vão vir. – explicou o garoto.

Assim, Ana, Priscila e Zac começaram a ver o filme. Já quase no fim, Priscila disse que tinha que ir embora e desceu para o apartamento abaixo do de Fernanda. Ana Clara estava tão cansada que dormiu, e nem viu o final do filme. Só Zac persistira até o fim, já que o casalzinho permaneceu na cozinha durante todo o filme.
Ele não tinha percebido que Ana havia dormido. Virou-se para falar com ela e ao ver que ela estava do décimo sono, como a própria costuma dizer, ficou em dúvida se a acordava ou não. Mas sabia que aquele sofá não era nada confortável e Ana ia ter de acordar cedo no dia seguinte para treinar.
Ao ponderar essas coisas olhando para o rosto adormecido da amiga, Zac sentiu seu coração palpitar freneticamente e sentiu uma vontade imensa de acariciar o rosto dela. Hesitou por um breve momento, porém a vontade foi maior e acariciou o rosto de Ana e sua mão parecia queimar ao encostar-se à pele macia dela. Ana mexeu a cabeça, mas não acordou e Zac retirou a mão rápido. Resolveu acordá-la para que ela pudesse ir se deitar no quarto.

- Ana, levanta. Vai deitar na cama. – ele a chamou.

Mas Ana resmungou alguma coisa e não acordou. Zac tentou mais uma vez, sem resultado. Então ele a pegou nos braços e a levou até a cama no quarto de Fernanda. Pegou um cobertor que estava ao pé da cama e a cobriu. Ficou olhando Ana Clara dormir por algum tempo e se deu conta de que estava parecendo um idiota, parado olhando para a Aninha, sua melhor amiga.

Saiu do quarto e deu de cara com Fernanda.

- Cadê as meninas? – Fernanda perguntou.

- Shiii! Fala baixo. A Ana está dormindo e a Pri já foi e eu também já estou indo. – ele respondeu com voz quase num sussurro.

- Acho que vou com ele Fê. Boa noite. - Mateus falou e deu um beijo em Fernanda. 

**********

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

And I Waited - Capítulo 1

1º dia de aula 

Como quase todo inicio de manhã em Brasília, o frio estava imperando e Ana Clara chegou à porta do colégio Santa Inês toda encasacada. No portão lá estava Zac, tremendo de frio e ansioso para falar com a amiga.

- Não quero papo, ainda nem acordei direito. – Ana passou por ele e seguiu direto para o pátio principal, onde toda a escola se reunia no primeiro dia de aula.

Zac não tentou falar com ela uma segunda vez naquele dia. Ana Clara encontrou Fernanda e Priscila e se juntou a elas. O pátio já estava lotado e a coordenadora da escola, professora Cláudia, se apresentou, falou sobre o regulamento do colégio, deu alguns recados, dentre eles a respeito dos testes para os times esportivos da escola.

Ás sete e dez da manhã o primeiro sinal tocou e todos seguiram para suas salas, procurando seus nomes nas listas grudadas nas portas. Ana Clara, Fernanda, Priscila e Zac estavam na mesma sala como nos anos anteriores, na turma “A”, só que agora estavam no 8ª série. Normalmente não havia mudanças de turma, as listas serviam mais para os novatos.

As três primeiras aulas transcorreram bem, e no intervalo Ana e seus amigos foram jogar vôlei com colegas de outras turmas. A rádio intervalo estava funcionando. As músicas eram escolhidas pelos alunos, mas sempre passavam pelo crivo da professora Cláudia. Além de músicas, a rádio tinha o correio eletrônico, em que os alunos e professores podiam mandar recados.

- Para Ana Clara Castilho da 8ª série A.

No mesmo instante, Ana se retesou e levou uma bolada na bochecha direita.

- Aninha, foi mal por sábado. Fui um idiota completo. Mas você é minha melhor amiga. Me desculpa, vai? O recado é de seu amigo forever, Zachary Hanson. Desculpa o cara Ana!

Ana Clara viu Zac do outro lado da quadra, ela bem que fez força para ficar séria, mas não conseguiu, caiu na gargalhada, foi até o amigo e o abraçou.

- Seu Mané! É a terceira vez em três dias que me faz pagar mico. – Ana deu um soco no ombro do garoto.

- Eu também te amo Ana. – Zac devolveu o soquinho. – E foi mal pela bolada, mas a culpa foi sua, ninguém mandou parar igual uma estátua.

- Sem comentários. “Vambora”, o sinal já tocou. – E o grupo seguiu para a sala.

O último sinal tocou e Ana estava super ansiosa para a tarde que iria ter. Às catorze horas tinha que estar de volta à escola para o teste do time de handebol. Há dois anos ela tentava a vaga de goleira, mas sempre acabava jogando na linha. Nessas férias treinou muito com Zac e Mateus. Nada melhor que treinar com garotos, que não aliviaram nenhum pouco para ela.

Ana Clara almoçou correndo, tomou um banho, arrumou sua mochila e colocou os patins em uma bolsa dessas esportivas. Além do handebol, Ana iria recomeçar os treinos da patinação artística, que foram interrompidos por apenas quinze dias. Ela não morava muito perto da escola e tinha que pegar um ônibus.
Chegou à escola meia hora antes do horário marcado. Estava super nervosa. Melhorou bastante desde a última vez que fez testes para goleira, mas sabia que o seu tipo físico não era o mais apropriado para a posição que almejava. Um metro e sessenta de altura, e menos de cinqüenta quilos de peso. Mas não do tipo esquelética, tinha o corpo bem torneado, pernas grossas. O físico ideal para a patinação artística, mas não para goleira de handebol.

Uns quinze minutos depois Fernanda e Zac chegaram. Os dois moram bem perto da escola em quadras vizinhas. Fernanda também joga handebol e tem sido a pivô do time nos últimos dois anos. Mais alta do que Ana, Fernanda se destacava. Fernanda participava das aulas de vôlei assim com Zac, mas não faziam parte do time. Ele jogava basquete e era o capitão do time. No último ano ele cresceu bastante, medindo quase um metro e setenta e cinco, com apenas treze anos. Sempre que pensava em como Zac se desenvolveu tão rápido, Ana Clara sentia raiva. O amigo sempre fora do seu tamanho e era gordinho até os doze anos. Agora ambos com catorze anos e ela não cresceu nenhum centímetro se quer e ele já não era mais gordinho.

Nem os óculos, que Zac antes usava, assim como ela, ele usava mais. Usava lentes de contato. E Ana Clara continuava a usar os benditos óculos que escondiam seus lindos olhos esverdeados e seus longos cílios que ela tanto gostava. Sua mãe lhe prometera que ao completar quinze anos, iria poder usar lentes, pois a julgava muito imatura e preguiçosa para fazer uso delas antes dessa idade. Com isso, Ana Clara estava se esforçando para mostrar que crescera. Trabalhar nas férias foi sem dúvida um ponto positivo para ela.

Os testes começaram e Ana Clara ia ser a próxima a ser testada no gol. Apenas três garotas se inscreveram para a posição. A goleira do ano anterior terminou a escola e a reserva dela, Renata, estava buscando a vaga junto com Ana e mais uma garota que foi a primeira no teste e foi muito ruim. Ana estava mais apreensiva, pois ela e a tal de Renata nunca se deram muito bem, apesar de estudarem juntas desde o jardim de infância.

- Ana Clara, pode ir para o gol. – Chamou o professor André.

Ela seguiu para o gol, seu coração estava a mil e suas mãos estavam tremendo demais.

- Vai Aninha! Você consegue! – eram as vozes de Zac e Mateus se propagando pelo ginásio.

Ana tentou se concentrar ao máximo. O primeiro teste seria uma simulação de jogo com ataque adversário, e defesa de seu time. Ela defendeu as cinco bolas arremessadas. O segundo teste foi simulação de ataque sem defesa alguma. Somente ela e as atacantes. De cinco tentativas de gol, Ana defendeu quatro. O terceiro e último teste, foram cinco pênaltis, os quais ela defendeu quatro.

Quando terminou Ana Clara parecia estar em estado de choque, não conseguia ouvir a voz de ninguém, apesar de saber que estavam todos gritando a sua volta. Ela só voltou a si, quando Fernanda a abraçou.

- Renata é a sua vez! – Exclamou o professor.

A garota seguiu para o gol. Ana Clara a acompanhou com os olhos. Meu Deus, Ana nunca quis tanto a derrota de Renata como naquele momento.

Renata defendeu as cinco bolas do primeiro teste. No segundo teste ela defendeu três bolas. No último, defendeu apenas dois. Ana Clara parecia não acreditar. Ela seria a goleira titular da equipe e Renata ia ter que se contentar com a reserva mais um ano.

Mateus e Zac desceram da arquibancada e correram para a lateral da quadra. Fernanda e Priscila já estavam ao lado de Ana e também eram titulares no time. Foi a maior algazarra. Todos os seus amigos vinham cumprimentá-la, o único que não apareceu ao seu lado foi Zac. Ana ficou procurando por um tempo até que o viu. Ele estava abraçando uma garota e beijava seus cabelos. A garota parecia estar chorando e quando se virou Ana não acreditou, Zac estava abraçando e beijando Renata. 
Desde quando eles estavam juntos? Porque ele não contou para ela? Será que Fernanda e Mateus já sabiam? Todas essas perguntas passaram na mente de Ana em um segundo.

Ana virou de costas e continuou falando com os amigos. Em seguida o professor pediu para a equipe sentar no centro da quadra e para o restante voltar para a arquibancada. Ele deu alguns avisos, falou sobre as regras para se estar no time e informou que treinariam nas terças e quintas às duas e meia da tarde.

Os testes para o time de basquete iriam acontecer só no dia seguinte, Zac e Mateus iriam participar. Portanto Ana ia ficar livre até as cinco e meia, quando começaria o treino da patinação. Ela e os amigos foram jogar vôlei em uma das quadras externas. Meia hora antes do treino, Paula, a treinadora, chamou Ana e disse que precisava dela no ginásio para uma conversa. Ana foi com a treinadora.

- Você já conhece o Pedro Henrique certo? – Paula perguntou para Ana.

- Sim conheço. – Ana olhou para o rapaz. – Oi!

- Oi Ana! – ele respondeu.

- Nossa, ele lembra o meu nome! – Ana falou sarcasticamente.

- Porque eu não lembraria? – Pedro perguntou sem jeito.

- Deixa pra lá. – Ana se virou para a treinadora. – O que você quer falar comigo treinadora?

- Ana, você sabe que o Pedro compete em dupla?

- Sei.

- A Tânia sofreu um acidente de carro e não vai poder competir este ano. – começou a treinadora, mas foi interrompida por Renata que entrou no ginásio com mais duas garotas fazendo o maior barulho.

- Desculpe treinadora. A gente já pode se aquecer? – Renata falou já entrando na quadra.

- Podem sim. – respondeu Paula. – Ana o que queremos saber é se você não gostaria de ser o par de Pedro neste ano.

- O quê? Paula você sabe que patino sozinha, nunca treinei em dupla. – Ana ficou surpresa com o convite.

Pedro Henrique entrou na escola no ano anterior, quando cursava a 8ª série. Foi para o colégio Santa Inês para representar a escola nos campeonatos de patinação. Com isso ganhou bolsa de estudo e patrocínio. Mas ele perderia o patrocínio se não tivesse um par, já que o interesse do patrocinador é na patinação de casal.
Ana ficou encantada com a beleza do garoto quando o viu pela primeira vez. Quase um metro e oitenta de altura, cabelos claros, olhos azuis e lábios carnudos. Um corpo escultural, de atleta. Mas ao se apresentar para ele no ano anterior, junto com Fernanda, percebeu o quanto Pedro era metido e grosseirão. Desde então não falou mais com ele.

- Nós sabemos Ana. Mas o campeonato brasiliense só começa em junho, até lá você vai estar perfeita. – argumentou a treinadora.

- Eu não sei. Acho que não daria certo, ele é muito metido e eu sou muito cabeça dura. – Ana forçou um riso.

- Ah, qual é? Que papo é esse de metido? Você foi que me ignorou o ano inteiro. – Pedro falou irritado.

- Chega vocês dois!

- Não. Eu não vou treinar com ele! – Ana Clara exclamou irritada.

- Ana Clara, essa é uma grande oportunidade para você também. Você não tem patrocínio. Competindo com Pedro o patrocínio dele se estenderá a você. – Explicou Paula.

Ana Clara pensou por um momento. E viu Renata patinando em volta deles.

- A Renata pode ser sua dupla Pedro.

- Tá maluca, essa menina mal sabe ficar em pé com os patins, sem contar que é muito pesada. – Pedro falou alto suficiente para sua voz ecoar por todo o ginásio.

- Você está me chamando de gorda? – Renata berrou de volta para o garoto.

- Eu disse pesada, não gorda. – ele retrucou.

Renata avançou para cima de Pedro Henrique, que mal teve tempo de se agachar. Ela perdeu o equilíbrio e caiu de bunda no chão. Ana não agüentou e gargalhou até não poder mais. Ela sabia que Renata não poderia patinar em dupla, por ser alta e pesada como disse Pedro. Mas também sabia que a garota não era gorda.

- Chega! – bradou a treinadora. – Ana e Pedro venham comigo.

Os três seguiram para a sala sob as arquibancadas do lado direito do ginásio.

- Ana você é perfeita para trabalhar com Pedro. Sua altura é ótima e seu peso é ideal. Além de que está preparada para uma competição nacional. – argumentou a treinadora.

- Os riscos de lesão são bem maiores em dupla e não confio nele. –Ana cruzou os braços com desdém.

- Ana... – Paula tentou contra-argumentar.

- Se ele quer tanto que eu seja seu par porque ele não pede? – Ana o encarou.

- Então essa é a questão? – Pedro olhou nos olhos de Ana. – Você é mais infantil do que eu pensava.

- Tô fora! – Ana foi em direção à porta.

- Espera! Desculpe, eu não devia ter dito isso. – Pedro segurou Ana Clara pelo braço ao falar.

Ela sentiu seu corpo todo arrepiar e travar ao mesmo tempo. No mesmo instante soltou o braço da mão dele.

- Eu preciso conversar com meus pais. Não posso decidir sozinha.

- Então você aceita, se eles concordarem? – perguntou Paula.

Ana Clara revirou os olhos e respondeu:
- Se é para o bem geral da nação... – Ana abriu um largo sorriso.

- Ótimo! Vou ligar para seus pais agora mesmo. Podem ir calçar os patins.

Pedro abriu a porta da sala e acenou teatralmente para Ana passar.

- Primeiro as damas. – ele sorriu para ela.

Ana achou que ia desmaiar ao ver que aquele sorriso era para ela.

- Não pense que a minha opinião sobre você mudou. – Ana falou rispidamente e saiu à frente do rapaz.

Os pais dela concordaram com idéia de Ana formar dupla com Pedro. Eles conheciam o trabalho do garoto, pois acompanham o esporte que a filha tanto ama e se dedica. O treino foi mais para ambos conhecerem seus estilos. Enquanto eles treinavam, Zac e Fernanda assistiam da arquibancada.

Uma hora depois eles tiveram uma pausa de cinco minutos para beber água.

- Porque você e o Pedro estão se olhando o tempo todo? – quis saber Fernanda.

- Eu e ele agora somos uma equipe, vamos competir juntos este ano. –explicou Ana.

- Tá brincando? – duvidou Fernanda.

- É sério. Vou ter que aturar esse metido o ano inteiro.

- Até parece que você não gostou? – Zac tirou sarro da amiga.

- E não gostei mesmo, mas é a minha chance já que terei patrocinador.

Renata se aproximou, beijou Zac e disse:
- Você vai esperar o treino terminar, né? – e voltou para o meio da quadra.

- Vou, vou. – Zac respondeu com o rosto corado de vergonha.

O treino durou mais uma hora. Fernanda já tinha ido embora e Ana foi guardar os patins no armário do corredor das salas de aulas. Pegou sua mochila e foi para a parada de ônibus. Já estava escuro, eram quase oitos horas. Ao chegar à parada Ana Clara encontrou com Pedro. Ela ficou aliviada de ter alguém conhecido na parada escura e ao mesmo tempo irritada, pois estava cansada demais e não tinha o menor saco para joguinhos verbais.

- Obrigado Ana. De verdade. Sem você eu estaria ferrado. – Pedro agradeceu.

Ana ficou surpresa com a seriedade com que ele falou.

- Tudo bem. Eu também estou me beneficiando com tudo isso.

Ela olhou para o lado e viu que Zac estava se aproximando. Antes de ele chegar perto ela correu até ele.

- O que você ta fazendo aqui, não tinha que estar se agarrando com a Renata?

- Ela já foi. E vim ver se estava tudo bem, fiquei preocupado com você aqui, sozinha.

- Estou ótima, pode ir. Valeu. – Ana ia saindo e voltou para ele novamente. – Ah, deixa o seu celular comigo, uma desculpa para dizer por que você veio atrás de mim.

-Quê?

-Você veio devolver o meu celular. Amanhã te devolvo. Tchau.

Ana voltou para onde Pedro estava.

- Tinha esquecido meu celular. – ela falou mostrando o aparelho.

- Muito prestativo esse seu amigo. Já reparei que vocês estão sempre juntos.

- É. Quer dizer, desde quando você repara nos reles mortais? – Ana falou sorrindo.

- Se você é reles mortal, eu sou o quê?

- Metido, eu já disse. – Ana se levantou e foi para a beirada da calçada para ver se era seu ônibus que estava se aproximando.

- Você não ta falando sério. Não me acha metido. – Pedro também se levantou.

Ana Clara deu sinal para o ônibus que parou na sua frente. A porta abriu e ela subiu o primeiro degrau e disse:
- Prove o contrário. Tchau!

Ana chegou em casa meia hora depois. Sua mãe tinha acabado de chegar também e seu pai estava terminando de preparar o jantar.

- Então filha o que achou do garoto? Acha que realmente vocês têm chance no nacional? – perguntou Luísa, mãe de Ana Clara, e gerente de uma rede de papelarias da cidade.

- Acho que sim mãe. Ele manda muito bem. Vamos ver como será quando estivermos fazendo os movimentos juntos. Os saltos e levantamentos são os que mais me preocupam.

- Mas já treinaram levantamentos hoje? – perguntou Elias, pai da garota, e gerente de um banco estatal.

- Não. Hoje a gente ficou só se observando. Para isso vamos treinar primeiro sem patins e parados. Vamos ver se ele vai me agüentar. – Ana sorriu ao falar.

Após o jantar ela tomou um banho e foi para seu quarto. Estava exausta, doida para relaxar e dormir. Quase meia noite, Ana acordou com uma musiquinha enjoada tocando dentro de sua mochila.

- Mas que droga é essa? – e Ana sentou na cama e puxou a mochila que estava ao seu pé.

- Ah meu Deus, é o celular do Zac. – ela pegou o aparelho e viu a letra R piscando no visor.

- Alô! – ela atendeu ao telefone.

- Desculpe foi engano. - e a ligação caiu.

Ana deitou na cama, colocou o telefone no chão, mas tocou em seguida. Ela levou um susto, mas atendeu novamente.

- Oi!

-Quem ta falando? – uma voz perguntou do outro lado da linha.

- Ana Clara, por quê? – Ana respondeu com a voz sonolenta e bocejando ao mesmo tempo.

- Eu queria falar com o Zac.

- Acho que ele tá dormindo agora.

- É a mãe dele que está falando? – perguntou a voz de garota do outro lado.

- Não. É Ana Clara e sem dúvida eu não sou a mãe do Zac. Quem tá falando?

- A namorada dele. – respondeu a voz irritada.

- Renata é você? Fala com ele amanhã na escola, tá?  Tô morrendo de cansaço. Tchau! – Ana desligou o telefone, mas antes de fechar o olho ele tocou novamente. Ela olhou a letra R no visor e desligou o aparelho.

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