Bendito guarda-chuva, ou seria maldito celular?
Amanheceu chovendo e ao descer do ônibus Ana abriu o guarda-chuva e seguiu para o semáforo. Zac vinha correndo da direção contrária sem nenhuma proteção.
- Bom dia! – ele falou se enfiando embaixo do guarda-chuva, passando a mão pela cintura de Ana.
- Oi!
Os dois atravessaram a pista. Passaram pelo portão da escola e Renata os viu abraçados. Zac fechou o guarda-chuva, entregou para a amiga e agradeceu com um beijo em sua bochecha. Ana seguiu para a sala de aula. Alguns minutos depois Zac entrou na sala com a cara amarrada.
- O que foi? – Ana perguntou curiosa.
- Vocês mulheres são muito estranhas. – ele respondeu e sentou na carteira atrás dela.
- Continuo sem entender.
-Deixa para lá. Trouxe meu celular?
- Tá aqui. –Ana enfiou a mão na mochila e entregou o aparelho para o amigo.
Zac ligou o aparelho.
- Caramba! Tem dez chamadas não atendidas. E são todas da Renata.
-Ah, é. Esqueci de falar, ela ligou ontem de madrugada.
- Ana Clara diz pra mim que você não atendeu ao telefone.
- Atendi. – ela se encolheu na cadeira preocupada - Não devia ter atendido? Foi mal, é que eu tava meio que dormindo.
Zac soltou uma gargalhada.
- Qual a graça? – Ana perguntou irritada.
- A Renata acha que você dormiu comigo, ou algo do gênero. – ele continuou rindo.
- Quê? – Ana gritou.
Mas antes que Zac respondesse o professor Júlio entrou na sala. Era aula de matemática e Ana se esforçava para prestar atenção e entender o que ouvia. Definitivamente, matemática não era o seu forte.
Quinta-feira à tarde Ana estava sentada com Fernanda e Priscila em um banco na lateral da quadra de basquete, tinham acabado de sair do treino de handebol. O time de basquete ia começar o treino. Zac se aproximou e pediu para ela segurar sua carteira e seu celular enquanto ele treinava. Meia hora depois o telefone do garoto tocou e Ana olhou para as amigas como quem pede ajuda, do tipo “o que eu faço?” Fernanda pegou o celular, apertou o botão de atender e colocou na orelha de Ana.
-Alô! – Ana atendeu com a voz mais esganiçada possível.
- Eu não acredito que você está com ele de novo? – era Renata aos berros.
Ana não teve tempo de falar mais nada, a garota do outro lado da linha desligou antes que Ana Clara esboçasse qualquer reação.
- Eu não devia ter atendido. Droga. O Zac vai me matar. – Ana estava realmente preocupada.
Às cinco horas Ana foi para o ginásio, ao chegar lá encontrou Renata já calçadas nos patins. Ana Clara fez de conta que não a viu. Foi até o vestiário e pegou seu par de patins e os calçou. Ao voltar para a quadra Pedro já estava lá, ela sabia que ia demorar a se acostumar com aquela proximidade dos dois. Um frio na barriga surgia sempre que ela o via sem aviso prévio.
Pedro Henrique e Ana estavam se aquecendo, quando Renata se aproximou dos dois e disse:
- Você é mesmo muito cara de pau, não é Ana Clara? Quer ficar com os dois?
- Renata eu não sei do que está falando. – Ana falou e saiu patinando.
Renata não falou mais nada e o treino correu bem. Zac chegou ao final e disse para Ana que iria acompanhá-la até a parada, mas antes teria que conversar com Renata. Ana ficou esperando pelo amigo no portão do colégio. Zac a acompanhou e disse para ela que ele e Renata não estavam mais juntos.
- A culpa é minha. Desculpe Zac, eu não devia ter atendido seu celular hoje. – Ana falou sinceramente.
- A culpa não foi sua. Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando comecei a namorar essa garota.
- Meu ônibus. Até amanhã! – Ana Clara entrou no ônibus.
Uma semana se passou, era sexta-feira e Ana estava jogando vôlei no intervalo das aulas. A rádio estava tocando uma música que foi interrompida por mais um recadinho.
- Para Ana Clara, da 8ª A. Você devia ter vergonha na cara garota! Tem uma quedinha por loiros de lábios carnudos , é? Não basta passar o treino flertando com o Pedro Henrique do 1º ano, tem que dormir com o Zac da 8ª? Quantas vezes dormiu com ele esta semana e... – a voz era de Renata ao microfone.
Ana Clara olhou para a sala de vidro do primeiro andar em choque. Lá estava Renata com um olhar psicótico para Ana e um professor tomando o microfone da mão da garota. As lágrimas brotavam nos olhos de Ana sem ao menos ela perceber. Quando se deu conta já estava no primeiro andar indo na direção da sala em que funcionava a rádio. Antes que pudesse entrar na sala, o professor André saiu segurando Renata pelo braço. Ana fechou a mão em punho e acertou o queixo de Fernanda que aparecera na sua frente de repente. Ana queria se vingar de Renata, queria arrancar a cabeça dela com as próprias mãos, mas antes que ela conseguisse se aproximar da garota novamente, Zac entrou em sua frente e a abraçou.
- Ana calma! – esbravejou o garoto. – Não vale a pena. Todos sabem que é mentira.
Ana não conseguia articular palavra alguma tamanha era a sua raiva. Deixou-se conduzir para a sala dos professores. Ao entrar na sala foi que Ana percebeu que Fernanda também estava ali, segurando o queixo.
- Ah meu Deus! De desculpe Fê. Eu eu... te acertei... – foi o que Ana conseguiu dizer.
- Tudo bem, eu não devia ter entrado na sua frente. – Fernanda colocou a mão no ombro da amiga ao falar.
Ana Clara se recusou a voltar para a sala de aula, estava com muita vergonha e não queria enfrentar os olhares dos colegas. A professora Cláudia permitiu que ela ficasse na sala dos professores e pediu a Zac que fosse buscar os pertences da garota.
Ele trouxe tudo e Cláudia disse para o garoto voltar para a sala. Ana ficou um horário inteiro sentada fitando a janela, até que por fim, a coordenadora a liberou para ir para casa. Ana chegou em casa e se trancou em seu quarto. Tinha esquecido que no dia seguinte iria se mudar para um apartamento próximo da escola. Seus pais venderam o que moravam e compraram este outro apartamento que ficava em uma quadra vizinha a que Fernanda e Zac moravam.
A garota se levantou da cama e começou a arrumar algumas coisas que faltava guardar. Lica, a moça que trabalha em sua casa, bateu na porta e avisou que o almoço estava pronto. Ana comeu pouco e voltou para seu quarto. No início da tarde o interfone tocou e ela atendeu.
- É a Fê.
Ana Clara apertou o botão para abrir a portaria e foi abrir a porta do apartamento. Fernanda e Zac apareceram na escada.
- A gente não esqueceu a mudança. Viemos te ajudar. – Fernanda falou animadamente.
- Valeu. Ainda tem um monte de coisa no meu quarto precisando encaixotar. – Ana disse sem muito entusiasmo.
Os três arrumaram tudo no quarto de Ana. Lica preparou um lanche para eles e disse:
- Clara, a sua mão ligou e disse que você vai dormir hoje na casa da Fernanda. Ela já falou com a mãe dela.
– Lica fez uma pausa ao perceber os olhares de quem não estavam entendendo nada e continuou. – Você tem treino hoje à noite e amanhã pela manhã. Bem na hora da mudança, então ela achou melhor você ficar perto da escola.
- Que ótimo! A gente pode alugar um filme para assistir hoje á noite. – empolgou-se Fernanda.
Ana Clara tomou um banho, arrumou sua mochila e os três foram para a parada pegar o ônibus.
- Nem acredito que realmente vou me mudar daqui. Vou ter que vim depois para me despedir da galera da quadra. Vou sentir falta deles. – disse Ana saudosamente.
Eles chegaram à escola e Ana seguiu para o ginásio. Pedro já estava se aquecendo e ela estava com tanta vergonha de olhar pra ele depois de tudo que aconteceu pela manhã. Correu para o vestiário sem nem olhar para a quadra. Ficou uns dez minutos sentada, tentando criar coragem para sair, mas antes que ela tomasse coragem, Pedro apareceu na porta.
- Você está bem? – Ele perguntou.
- Estou. – respondeu Ana sem olhar para ele.
- Vai ficar sentada aí?
- Não eu, eu já vou. – Ana se levantou e guardou a mochila no armário.
- Ana, não precisa ter vergonha de mim, ok? Somos parceiros, uma equipe. – Disse Pedro se aproximando do armário de Ana.
- Não estou com vergonha, só um pouco cansada. Estou de mudança, o dia foi longo. – Ela tentou se explicar sem olhar para o garoto.
- É tão ruim assim dizerem que estamos flertando? – Pedro segurou o queixo de Ana ao falar.
Ana olhou séria para ele e disse:
- Não estamos flertando, como você disse, somos uma equipe, trabalhamos juntos. – Ela fechou o armário e seguiu para porta. – É bem a sua cara Pedro. Falaram que eu dormi com meu melhor amigo e só o que se lembra é de um flerte idiota que nunca aconteceu também. – Ana saiu patinando até o centro da quadra.
- Ana! Não foi o que eu quis... – Pedro não continuou a frase, pois deu de cara com Renata.
- Até no vestiário? – Renata o provocou.
- Cale essa boca sua gorda desengonçada! – exclamou Pedro furioso.
- O que está acontecendo aqui? – perguntou a treinadora.
- É esse garoto grosso. – choramingou Renata.
Ana se aproximou de Paula e disse:
- O que ela está fazendo aqui hoje? Sexta-feira ela não tem aula de patinação.
- Eu sei Ana, é que eu permitia que meus alunos viessem todos os dias se quisessem. - explicou Paula.
- Então eu vou embora. Não aguento mais essa cobra atrás de mim. – Ana foi em direção a arquibancada.
- Ana Clara, volte aqui, não temos tempo a perder! – Disse Paula que se virou para Renata e falou. – A partir de hoje quero você aqui somente nas terças e quintas.
- Mas treinadora... – tentou Renata.
- Até mais Renata!
Antes que Renata dissesse mais alguma coisa, a coordenadora entrou no ginásio.
- Renata, eu não te dei uma advertência, a qual você não pode aparecer à tarde na escola por uma semana? – perguntou Cláudia.
- Já estou indo professora. – Renata nem olhou para trás.
Ana Clara e Pedro estavam indo muito bem com a coreografia, mas tinham dificuldade no sincronismo. Ana não conseguia executar os movimentos no tempo de Pedro e ela sabia que era por não conseguir se concentrar como deveria.
- Me desculpe. Não tá rolando. Devia ser mais rápido e você está muito lento. Não consigo te acompanhar. – Ana soltou tudo de uma vez, como quem queria se livrar das palavras o mais rápido possível.
- Mas é você quem está rápida demais. Tem de ser no ritmo da música, mais suave. – explicou Pedro tentando ser o mais educado possível. Ele sabia que Ana estava em outro universo naquele momento e estava decidido em ser paciente pelo menos naquela noite. Talvez porque tivesse a presunção de achar que era por causa dele a distração da garota.
- Tudo bem. Falha minha. Eu preciso de cinco minutos, ta? – Ana pegou sua garrafa de água e foi até o bebedouro.
- Só cinco minutos vocês dois! – alertou Paula.
Sem sombra de dúvida aquele foi um dos dias na vida de Ana que ela queria que acabasse o mais rápido possível. Mas parece que Pedro não entendeu.
- Ana, eu não achei que o lance de hoje de manhã tenha sido legal. Já entendi que o Zac é só um amigo, mas até a Renata percebeu que tem alguma coisa entre nós. – Pedro falou ao se aproximar do bebedouro.
- Sabe o que tem entre nós Pedro Henrique?
- O quê?
- O seu ego. Vai ver que é ele que está nos atrapalhando hoje. – Ana saiu irritada para o meio da quadra. – Olha aqui garoto, eu concordei em ser seu par nesta competição, mas vamos deixar as coisas claras. Meu interesse por você começa às dezessete horas quando entro nesse ginásio e termina ás vinte e uma horas quando saio daqui. E vai ser assim até ganharmos a competição, entendeu? Do contrário não dará certo.
- O que foi que eu perdi aqui? – pergunta Paula perplexa.
- Eu avisei que ele é um metido. – disse Ana com desprezo.
- E também avisou que você é uma cabeça dura. Relaxa Ana! – Pedro chegou perto dela e estendeu a mão. – Vamos recomeçar.
- Concentração! – pediu a treinadora.
O restante do treino foi mais proveitoso. Fernanda e Mateus chegaram para buscar Ana. Ao chegarem ao prédio de Fernanda, Zac e Priscila já estavam esperando na portaria. Os cinco subiram e encontraram o irmão de Fernanda na porta esperando a mãe e o padrasto deles para saírem.
- Oi Marcos! Não vai assistir ao filme com a gente? – perguntou Zac.
- Não, vou sair com meus pais. – falou Marcos sem muito entusiasmo.
- Estaremos com o celular e juízo! – orientou Cátia, a mãe de Fernanda.
- Pode deixar tia Cátia. – assentiu Ana.
- Só Cátia pelo amor de Deus! – Cátia sorriu para os garotos e saiu com o marido Jorge e o filho, deixando os cinco adolescentes sozinhos.
Ana achava o máximo a maneira como os pais da amiga se relacionavam com a filha. Eles eram super liberais, o oposto de seus pais. Não que eles fossem carrascos ou algo do gênero, mas eram cheios de regrinhas, como por exemplo, só namorar depois dos quinze anos, chegar em casa às dez, garotos não entrarem no seu quarto, não recebê-los em casa quando estiver sozinha, esse tipo de coisa.
Enquanto os pais de Fernanda saiam e os deixavam ali, sozinhos, sem nenhuma supervisão.
- Que filme vocês alugaram?- Fernanda perguntou para Priscila.
- O Zac escolheu esse suspense aqui. – Priscila respondeu e mostrou a capa do filme para Fê.
- Legal! Mateus me ajuda a fazer pipoca? – Fernanda chamou o garoto e deu uma piscadinha para ele achando que ninguém perceberia, mas todos viram e se seguraram para não rir. Os dois foram para a cozinha.
Priscila pegou o DVD e foi colocar no aparelho. Zac se sentou no tapete e Ana deitou no sofá.
- Essa pipoca vai demorar, quer apostar quanto? - ela perguntou para Zac.
- Não vou apostar. Eu sei que vai demorar.
Os dois sorriram.
- Eu estou exausta. Tudo bem se eu tomar um banho rapidinho, antes do filme? – Ana perguntou aos dois sentados no tapete.
- Vai lá. Mas vê se não enrola. Tenho que estar em casa antes da meia-noite. – explicou Priscila.
Ana tomou um banho rápido e voltou para a sala. Ao passar pela porta da cozinha viu que Mateus e Fernanda ainda estavam lá e no maior amasso. Ela sorriu e foi se deitar no sofá.
- Eles ainda estão se agarrando? – perguntou Zac, entediado.
- Estão. Acho melhor você ir lá buscar a pipoca e o refri. – Ana falou.
Zac voltou dois minutos depois.
- Acho que podemos assistir ao filme. Eles não vão vir. – explicou o garoto.
Assim, Ana, Priscila e Zac começaram a ver o filme. Já quase no fim, Priscila disse que tinha que ir embora e desceu para o apartamento abaixo do de Fernanda. Ana Clara estava tão cansada que dormiu, e nem viu o final do filme. Só Zac persistira até o fim, já que o casalzinho permaneceu na cozinha durante todo o filme.
Ele não tinha percebido que Ana havia dormido. Virou-se para falar com ela e ao ver que ela estava do décimo sono, como a própria costuma dizer, ficou em dúvida se a acordava ou não. Mas sabia que aquele sofá não era nada confortável e Ana ia ter de acordar cedo no dia seguinte para treinar.
Ao ponderar essas coisas olhando para o rosto adormecido da amiga, Zac sentiu seu coração palpitar freneticamente e sentiu uma vontade imensa de acariciar o rosto dela. Hesitou por um breve momento, porém a vontade foi maior e acariciou o rosto de Ana e sua mão parecia queimar ao encostar-se à pele macia dela. Ana mexeu a cabeça, mas não acordou e Zac retirou a mão rápido. Resolveu acordá-la para que ela pudesse ir se deitar no quarto.
- Ana, levanta. Vai deitar na cama. – ele a chamou.
Mas Ana resmungou alguma coisa e não acordou. Zac tentou mais uma vez, sem resultado. Então ele a pegou nos braços e a levou até a cama no quarto de Fernanda. Pegou um cobertor que estava ao pé da cama e a cobriu. Ficou olhando Ana Clara dormir por algum tempo e se deu conta de que estava parecendo um idiota, parado olhando para a Aninha, sua melhor amiga.
Saiu do quarto e deu de cara com Fernanda.
- Cadê as meninas? – Fernanda perguntou.
- Shiii! Fala baixo. A Ana está dormindo e a Pri já foi e eu também já estou indo. – ele respondeu com voz quase num sussurro.
- Acho que vou com ele Fê. Boa noite. - Mateus falou e deu um beijo em Fernanda.
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