Como quase todo inicio de manhã em Brasília, o frio estava imperando e Ana Clara chegou à porta do colégio Santa Inês toda encasacada. No portão lá estava Zac, tremendo de frio e ansioso para falar com a amiga.
- Não quero papo, ainda nem acordei direito. – Ana passou por ele e seguiu direto para o pátio principal, onde toda a escola se reunia no primeiro dia de aula.
Zac não tentou falar com ela uma segunda vez naquele dia. Ana Clara encontrou Fernanda e Priscila e se juntou a elas. O pátio já estava lotado e a coordenadora da escola, professora Cláudia, se apresentou, falou sobre o regulamento do colégio, deu alguns recados, dentre eles a respeito dos testes para os times esportivos da escola.
Ás sete e dez da manhã o primeiro sinal tocou e todos seguiram para suas salas, procurando seus nomes nas listas grudadas nas portas. Ana Clara, Fernanda, Priscila e Zac estavam na mesma sala como nos anos anteriores, na turma “A”, só que agora estavam no 8ª série. Normalmente não havia mudanças de turma, as listas serviam mais para os novatos.
As três primeiras aulas transcorreram bem, e no intervalo Ana e seus amigos foram jogar vôlei com colegas de outras turmas. A rádio intervalo estava funcionando. As músicas eram escolhidas pelos alunos, mas sempre passavam pelo crivo da professora Cláudia. Além de músicas, a rádio tinha o correio eletrônico, em que os alunos e professores podiam mandar recados.
- Para Ana Clara Castilho da 8ª série A.
No mesmo instante, Ana se retesou e levou uma bolada na bochecha direita.
- Aninha, foi mal por sábado. Fui um idiota completo. Mas você é minha melhor amiga. Me desculpa, vai? O recado é de seu amigo forever, Zachary Hanson. Desculpa o cara Ana!
Ana Clara viu Zac do outro lado da quadra, ela bem que fez força para ficar séria, mas não conseguiu, caiu na gargalhada, foi até o amigo e o abraçou.
- Seu Mané! É a terceira vez em três dias que me faz pagar mico. – Ana deu um soco no ombro do garoto.
- Eu também te amo Ana. – Zac devolveu o soquinho. – E foi mal pela bolada, mas a culpa foi sua, ninguém mandou parar igual uma estátua.
- Sem comentários. “Vambora”, o sinal já tocou. – E o grupo seguiu para a sala.
O último sinal tocou e Ana estava super ansiosa para a tarde que iria ter. Às catorze horas tinha que estar de volta à escola para o teste do time de handebol. Há dois anos ela tentava a vaga de goleira, mas sempre acabava jogando na linha. Nessas férias treinou muito com Zac e Mateus. Nada melhor que treinar com garotos, que não aliviaram nenhum pouco para ela.
Ana Clara almoçou correndo, tomou um banho, arrumou sua mochila e colocou os patins em uma bolsa dessas esportivas. Além do handebol, Ana iria recomeçar os treinos da patinação artística, que foram interrompidos por apenas quinze dias. Ela não morava muito perto da escola e tinha que pegar um ônibus.
Chegou à escola meia hora antes do horário marcado. Estava super nervosa. Melhorou bastante desde a última vez que fez testes para goleira, mas sabia que o seu tipo físico não era o mais apropriado para a posição que almejava. Um metro e sessenta de altura, e menos de cinqüenta quilos de peso. Mas não do tipo esquelética, tinha o corpo bem torneado, pernas grossas. O físico ideal para a patinação artística, mas não para goleira de handebol.
Uns quinze minutos depois Fernanda e Zac chegaram. Os dois moram bem perto da escola em quadras vizinhas. Fernanda também joga handebol e tem sido a pivô do time nos últimos dois anos. Mais alta do que Ana, Fernanda se destacava. Fernanda participava das aulas de vôlei assim com Zac, mas não faziam parte do time. Ele jogava basquete e era o capitão do time. No último ano ele cresceu bastante, medindo quase um metro e setenta e cinco, com apenas treze anos. Sempre que pensava em como Zac se desenvolveu tão rápido, Ana Clara sentia raiva. O amigo sempre fora do seu tamanho e era gordinho até os doze anos. Agora ambos com catorze anos e ela não cresceu nenhum centímetro se quer e ele já não era mais gordinho.
Nem os óculos, que Zac antes usava, assim como ela, ele usava mais. Usava lentes de contato. E Ana Clara continuava a usar os benditos óculos que escondiam seus lindos olhos esverdeados e seus longos cílios que ela tanto gostava. Sua mãe lhe prometera que ao completar quinze anos, iria poder usar lentes, pois a julgava muito imatura e preguiçosa para fazer uso delas antes dessa idade. Com isso, Ana Clara estava se esforçando para mostrar que crescera. Trabalhar nas férias foi sem dúvida um ponto positivo para ela.
Os testes começaram e Ana Clara ia ser a próxima a ser testada no gol. Apenas três garotas se inscreveram para a posição. A goleira do ano anterior terminou a escola e a reserva dela, Renata, estava buscando a vaga junto com Ana e mais uma garota que foi a primeira no teste e foi muito ruim. Ana estava mais apreensiva, pois ela e a tal de Renata nunca se deram muito bem, apesar de estudarem juntas desde o jardim de infância.
- Ana Clara, pode ir para o gol. – Chamou o professor André.
Ela seguiu para o gol, seu coração estava a mil e suas mãos estavam tremendo demais.
- Vai Aninha! Você consegue! – eram as vozes de Zac e Mateus se propagando pelo ginásio.
Ana tentou se concentrar ao máximo. O primeiro teste seria uma simulação de jogo com ataque adversário, e defesa de seu time. Ela defendeu as cinco bolas arremessadas. O segundo teste foi simulação de ataque sem defesa alguma. Somente ela e as atacantes. De cinco tentativas de gol, Ana defendeu quatro. O terceiro e último teste, foram cinco pênaltis, os quais ela defendeu quatro.
Quando terminou Ana Clara parecia estar em estado de choque, não conseguia ouvir a voz de ninguém, apesar de saber que estavam todos gritando a sua volta. Ela só voltou a si, quando Fernanda a abraçou.
- Renata é a sua vez! – Exclamou o professor.
A garota seguiu para o gol. Ana Clara a acompanhou com os olhos. Meu Deus, Ana nunca quis tanto a derrota de Renata como naquele momento.
Renata defendeu as cinco bolas do primeiro teste. No segundo teste ela defendeu três bolas. No último, defendeu apenas dois. Ana Clara parecia não acreditar. Ela seria a goleira titular da equipe e Renata ia ter que se contentar com a reserva mais um ano.
Mateus e Zac desceram da arquibancada e correram para a lateral da quadra. Fernanda e Priscila já estavam ao lado de Ana e também eram titulares no time. Foi a maior algazarra. Todos os seus amigos vinham cumprimentá-la, o único que não apareceu ao seu lado foi Zac. Ana ficou procurando por um tempo até que o viu. Ele estava abraçando uma garota e beijava seus cabelos. A garota parecia estar chorando e quando se virou Ana não acreditou, Zac estava abraçando e beijando Renata.
Desde quando eles estavam juntos? Porque ele não contou para ela? Será que Fernanda e Mateus já sabiam? Todas essas perguntas passaram na mente de Ana em um segundo.
Ana virou de costas e continuou falando com os amigos. Em seguida o professor pediu para a equipe sentar no centro da quadra e para o restante voltar para a arquibancada. Ele deu alguns avisos, falou sobre as regras para se estar no time e informou que treinariam nas terças e quintas às duas e meia da tarde.
Os testes para o time de basquete iriam acontecer só no dia seguinte, Zac e Mateus iriam participar. Portanto Ana ia ficar livre até as cinco e meia, quando começaria o treino da patinação. Ela e os amigos foram jogar vôlei em uma das quadras externas. Meia hora antes do treino, Paula, a treinadora, chamou Ana e disse que precisava dela no ginásio para uma conversa. Ana foi com a treinadora.
- Você já conhece o Pedro Henrique certo? – Paula perguntou para Ana.
- Sim conheço. – Ana olhou para o rapaz. – Oi!
- Oi Ana! – ele respondeu.
- Nossa, ele lembra o meu nome! – Ana falou sarcasticamente.
- Porque eu não lembraria? – Pedro perguntou sem jeito.
- Deixa pra lá. – Ana se virou para a treinadora. – O que você quer falar comigo treinadora?
- Ana, você sabe que o Pedro compete em dupla?
- Sei.
- A Tânia sofreu um acidente de carro e não vai poder competir este ano. – começou a treinadora, mas foi interrompida por Renata que entrou no ginásio com mais duas garotas fazendo o maior barulho.
- Desculpe treinadora. A gente já pode se aquecer? – Renata falou já entrando na quadra.
- Podem sim. – respondeu Paula. – Ana o que queremos saber é se você não gostaria de ser o par de Pedro neste ano.
- O quê? Paula você sabe que patino sozinha, nunca treinei em dupla. – Ana ficou surpresa com o convite.
Pedro Henrique entrou na escola no ano anterior, quando cursava a 8ª série. Foi para o colégio Santa Inês para representar a escola nos campeonatos de patinação. Com isso ganhou bolsa de estudo e patrocínio. Mas ele perderia o patrocínio se não tivesse um par, já que o interesse do patrocinador é na patinação de casal.
Ana ficou encantada com a beleza do garoto quando o viu pela primeira vez. Quase um metro e oitenta de altura, cabelos claros, olhos azuis e lábios carnudos. Um corpo escultural, de atleta. Mas ao se apresentar para ele no ano anterior, junto com Fernanda, percebeu o quanto Pedro era metido e grosseirão. Desde então não falou mais com ele.
- Nós sabemos Ana. Mas o campeonato brasiliense só começa em junho, até lá você vai estar perfeita. – argumentou a treinadora.
- Eu não sei. Acho que não daria certo, ele é muito metido e eu sou muito cabeça dura. – Ana forçou um riso.
- Ah, qual é? Que papo é esse de metido? Você foi que me ignorou o ano inteiro. – Pedro falou irritado.
- Chega vocês dois!
- Não. Eu não vou treinar com ele! – Ana Clara exclamou irritada.
- Ana Clara, essa é uma grande oportunidade para você também. Você não tem patrocínio. Competindo com Pedro o patrocínio dele se estenderá a você. – Explicou Paula.
Ana Clara pensou por um momento. E viu Renata patinando em volta deles.
- A Renata pode ser sua dupla Pedro.
- Tá maluca, essa menina mal sabe ficar em pé com os patins, sem contar que é muito pesada. – Pedro falou alto suficiente para sua voz ecoar por todo o ginásio.
- Você está me chamando de gorda? – Renata berrou de volta para o garoto.
- Eu disse pesada, não gorda. – ele retrucou.
Renata avançou para cima de Pedro Henrique, que mal teve tempo de se agachar. Ela perdeu o equilíbrio e caiu de bunda no chão. Ana não agüentou e gargalhou até não poder mais. Ela sabia que Renata não poderia patinar em dupla, por ser alta e pesada como disse Pedro. Mas também sabia que a garota não era gorda.
- Chega! – bradou a treinadora. – Ana e Pedro venham comigo.
Os três seguiram para a sala sob as arquibancadas do lado direito do ginásio.
- Ana você é perfeita para trabalhar com Pedro. Sua altura é ótima e seu peso é ideal. Além de que está preparada para uma competição nacional. – argumentou a treinadora.
- Os riscos de lesão são bem maiores em dupla e não confio nele. –Ana cruzou os braços com desdém.
- Ana... – Paula tentou contra-argumentar.
- Se ele quer tanto que eu seja seu par porque ele não pede? – Ana o encarou.
- Então essa é a questão? – Pedro olhou nos olhos de Ana. – Você é mais infantil do que eu pensava.
- Tô fora! – Ana foi em direção à porta.
- Espera! Desculpe, eu não devia ter dito isso. – Pedro segurou Ana Clara pelo braço ao falar.
Ela sentiu seu corpo todo arrepiar e travar ao mesmo tempo. No mesmo instante soltou o braço da mão dele.
- Eu preciso conversar com meus pais. Não posso decidir sozinha.
- Então você aceita, se eles concordarem? – perguntou Paula.
Ana Clara revirou os olhos e respondeu:
- Se é para o bem geral da nação... – Ana abriu um largo sorriso.
- Ótimo! Vou ligar para seus pais agora mesmo. Podem ir calçar os patins.
Pedro abriu a porta da sala e acenou teatralmente para Ana passar.
- Primeiro as damas. – ele sorriu para ela.
Ana achou que ia desmaiar ao ver que aquele sorriso era para ela.
- Não pense que a minha opinião sobre você mudou. – Ana falou rispidamente e saiu à frente do rapaz.
Os pais dela concordaram com idéia de Ana formar dupla com Pedro. Eles conheciam o trabalho do garoto, pois acompanham o esporte que a filha tanto ama e se dedica. O treino foi mais para ambos conhecerem seus estilos. Enquanto eles treinavam, Zac e Fernanda assistiam da arquibancada.
Uma hora depois eles tiveram uma pausa de cinco minutos para beber água.
- Porque você e o Pedro estão se olhando o tempo todo? – quis saber Fernanda.
- Eu e ele agora somos uma equipe, vamos competir juntos este ano. –explicou Ana.
- Tá brincando? – duvidou Fernanda.
- É sério. Vou ter que aturar esse metido o ano inteiro.
- Até parece que você não gostou? – Zac tirou sarro da amiga.
- E não gostei mesmo, mas é a minha chance já que terei patrocinador.
Renata se aproximou, beijou Zac e disse:
- Você vai esperar o treino terminar, né? – e voltou para o meio da quadra.
- Vou, vou. – Zac respondeu com o rosto corado de vergonha.
O treino durou mais uma hora. Fernanda já tinha ido embora e Ana foi guardar os patins no armário do corredor das salas de aulas. Pegou sua mochila e foi para a parada de ônibus. Já estava escuro, eram quase oitos horas. Ao chegar à parada Ana Clara encontrou com Pedro. Ela ficou aliviada de ter alguém conhecido na parada escura e ao mesmo tempo irritada, pois estava cansada demais e não tinha o menor saco para joguinhos verbais.
- Obrigado Ana. De verdade. Sem você eu estaria ferrado. – Pedro agradeceu.
Ana ficou surpresa com a seriedade com que ele falou.
- Tudo bem. Eu também estou me beneficiando com tudo isso.
Ela olhou para o lado e viu que Zac estava se aproximando. Antes de ele chegar perto ela correu até ele.
- O que você ta fazendo aqui, não tinha que estar se agarrando com a Renata?
- Ela já foi. E vim ver se estava tudo bem, fiquei preocupado com você aqui, sozinha.
- Estou ótima, pode ir. Valeu. – Ana ia saindo e voltou para ele novamente. – Ah, deixa o seu celular comigo, uma desculpa para dizer por que você veio atrás de mim.
-Quê?
-Você veio devolver o meu celular. Amanhã te devolvo. Tchau.
Ana voltou para onde Pedro estava.
- Tinha esquecido meu celular. – ela falou mostrando o aparelho.
- Muito prestativo esse seu amigo. Já reparei que vocês estão sempre juntos.
- É. Quer dizer, desde quando você repara nos reles mortais? – Ana falou sorrindo.
- Se você é reles mortal, eu sou o quê?
- Metido, eu já disse. – Ana se levantou e foi para a beirada da calçada para ver se era seu ônibus que estava se aproximando.
- Você não ta falando sério. Não me acha metido. – Pedro também se levantou.
Ana Clara deu sinal para o ônibus que parou na sua frente. A porta abriu e ela subiu o primeiro degrau e disse:
- Prove o contrário. Tchau!
Ana chegou em casa meia hora depois. Sua mãe tinha acabado de chegar também e seu pai estava terminando de preparar o jantar.
- Então filha o que achou do garoto? Acha que realmente vocês têm chance no nacional? – perguntou Luísa, mãe de Ana Clara, e gerente de uma rede de papelarias da cidade.
- Acho que sim mãe. Ele manda muito bem. Vamos ver como será quando estivermos fazendo os movimentos juntos. Os saltos e levantamentos são os que mais me preocupam.
- Mas já treinaram levantamentos hoje? – perguntou Elias, pai da garota, e gerente de um banco estatal.
- Não. Hoje a gente ficou só se observando. Para isso vamos treinar primeiro sem patins e parados. Vamos ver se ele vai me agüentar. – Ana sorriu ao falar.
Após o jantar ela tomou um banho e foi para seu quarto. Estava exausta, doida para relaxar e dormir. Quase meia noite, Ana acordou com uma musiquinha enjoada tocando dentro de sua mochila.
- Mas que droga é essa? – e Ana sentou na cama e puxou a mochila que estava ao seu pé.
- Ah meu Deus, é o celular do Zac. – ela pegou o aparelho e viu a letra R piscando no visor.
- Alô! – ela atendeu ao telefone.
- Desculpe foi engano. - e a ligação caiu.
Ana deitou na cama, colocou o telefone no chão, mas tocou em seguida. Ela levou um susto, mas atendeu novamente.
- Oi!
-Quem ta falando? – uma voz perguntou do outro lado da linha.
- Ana Clara, por quê? – Ana respondeu com a voz sonolenta e bocejando ao mesmo tempo.
- Eu queria falar com o Zac.
- Acho que ele tá dormindo agora.
- É a mãe dele que está falando? – perguntou a voz de garota do outro lado.
- Não. É Ana Clara e sem dúvida eu não sou a mãe do Zac. Quem tá falando?
- A namorada dele. – respondeu a voz irritada.
- Renata é você? Fala com ele amanhã na escola, tá? Tô morrendo de cansaço. Tchau! – Ana desligou o telefone, mas antes de fechar o olho ele tocou novamente. Ela olhou a letra R no visor e desligou o aparelho.
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Rá! Adorei como a Ana Clara ficou meio azeda e sarcástica perto do Pedro Henrique! Ele mexe com ela, não é?
ResponderExcluir"- Eu não sei. Acho que não daria certo, ele é muito metido e eu sou muito cabeça dura. – Ana forçou um riso."